sexta-feira, 4 de julho de 2014

O papel é mais que uma simples folha. É arte que ali nasce.

Escrevo ainda em papel. Escrevi este texto em papel. Gosto do cheiro do papel, de folhear folha a folha. Gosto da perfeição da letra nas primeiras páginas.
Sempre fui assim. Era daquelas que passava cadernos a limpo. Era daquelas com cadernos impecáveis, que por serem assim (e eu ser assim) me custava emprestar só com medo que mos estragassem. Também não gostava de pedir emprestado, pois achava tudo uma “gatafunhice”. E talvez por isso, nunca tenha faltado às aulas. Nem mesmo quando me deitava às 6h para acordar às 7h. Adiante.
Sempre tive uma forte relação com “o compromisso”. Por educação e por feitio, julgo eu. Muitas vezes deixei de me divertir tanto quanto gostaria pois pairava no ar as palavras da minha mãe quando, antes de sair para a escola, ou durante as refeições, me dizia: “minha menina, a escola é para estudar. Tu porta-te sempre bem”. E eu estudava, e portava. Depois, depois quis o destino que eu passasse a minha vida académica no Porto e aí as coisas puderam ter um bocadinho mais de folga. Na verdade, o meu espírito livre e aventureiro viu nesta mudança para a grande cidade a sua grande vontade de crescer, arriscar, aprender. A oportunidade de ser mais eu, de cair e voltar a levantar. De perceber como as pessoas eram feitas.
A minha personalidade moldou-se, foi-se moldando. Consegui manter o espírito livre de quem corre descalça e sem medos no campo, pisando a terra e fazendo muito pó para quem vem atrás; o respeito pelas pessoas da terra, de mãos sujas e ásperas, com unhas da cor do chão. Consegui transportar para a cidade a liberdade da menina da aldeia, sem medo de nada, sem bloqueios. Mas consegui também aprender a ser mulher, a ter etiquetas, a desenrascar-me em tudo quanto era sítio e situação. Como tinha muito tempo livre entre a última aula e a próxima camioneta, vagueava pelo Porto, metia-me nas bibliotecas, observava as pessoas na rua. Tinha tempo e mais que tempo para sonhar.
Sophia de Mello Breyner Andresen afirmava que a sua poesia lhe acontecia, como a Fernando Pessoa que dizia: «Aconteceu-me um poema». A mim, a vida foi-me acontecendo, sem que eu forçasse nada para tal feito. Foi-me ensinando e espero que continue a ensinar. Porque na verdade continuo a ser aquela menina da aldeia que sobrevoava as gentes do Porto e as estantes de livros da Biblioteca Municipal.

 

1 comentário:

Raquel Caldevilla disse...

Que bonito texto! :)