A casa dos meus pais não era nada como é hoje. A casa de banho era fora de casa. Os animais viviam por baixo. Os porcos, as ovelhas, os coelhos, as galinhas. Havia também uma adega cheia de pipos e garrafões. E um lagar onde, também eu, cheguei a pisar o vinho. Havia uma arca velha cheia de revistas do Partido Socialista, que pertenciam ao meu avô.
A casa dos meus pais era a casa dos meus avós. E foi nesta casa que eu nasci e cresci.
Na cozinha a minha mãe pendurava os presuntos e os chouriços que fazia. Havia latas velhas e bonitas cheias de plantas de chás para tudo e mais alguma coisa. Havia pratos partidos e canecas todas diferentes. Havia canteiros de flores e vasos espalhados à volta da casa e nas varandas. Havia camas de ferro e quartos muito pequenos. Havia lençóis feitos e bordados pela minha avó nos longos períodos que passava sozinha, quando o marido e os filhos trabalhavam e dormiam no Porto e só íam a casa ao fim-de-semana. Havia uma lareira na cozinha com panelas pretas e de três pernas. Havia cheiro a café ao final da tarde e o som do terço no rádio antigo, todos os dias, sintonizado na Rádio Renascença. Havia broa caseira, daquela que a minha mãe fazia no forno. Havia cheiro a fumo na cozinha e os nossos olhinhos choravam e a minha mãe dizia: “vai apanhar ar lá fora”. Havia uma mesa na cozinha, grande, e bancos de madeira todos diferentes. Havia um avô, que a avó nunca conheci, infelizmente. Havia uma mãe, a minha, que tentava ser a melhor nora, a melhor esposa, a melhor mãe. Havia um pai que acordava todos os dias às 5h40 da manhã e regressava às 20h00 e muitas vezes não nos via. Havia duas crianças felizes, eu e o meu irmão.
E havia ninhos de andorinhas debaixo da casa, nas traves de madeira que seguravam o 1º andar.
As andorinhas sempre fizeram parte de mim. Porque me lembram a infância feliz que tive. E lembram-me quando me colocava em cima de um escadote para ver com os próprios olhos os ovos. E vi nascer muitas andorinhas. Vi nascer, vi morrer, vi partir, vi voltar a aparecer lá em casa.
Por isso tenho tatuado em mim uma andorinha. E por isso este blogue tem também o nome de andorinha. Boa Boa porque eu sou do Porto e tenho orgulho na nossa pronúncia.
3 comentários:
As nossas memórias são realmente um tesouro! Adorei "ler-te"!
é bom conhecer a tua história :)
(e tu, já leste aquela que te enviei?) :)
Raquel, já li e adorei! :)
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