Sempre fui assim. Era daquelas que passava cadernos a limpo.
Era daquelas com cadernos impecáveis, que por serem assim (e eu ser assim) me
custava emprestar só com medo que mos estragassem. Também não gostava de pedir
emprestado, pois achava tudo uma “gatafunhice”. E talvez por isso, nunca tenha
faltado às aulas. Nem mesmo quando me deitava às 6h para acordar às 7h.
Adiante.
Sempre tive uma forte relação com “o compromisso”. Por
educação e por feitio, julgo eu. Muitas vezes deixei de me divertir tanto
quanto gostaria pois pairava no ar as palavras da minha mãe quando, antes de
sair para a escola, ou durante as refeições, me dizia: “minha menina, a escola
é para estudar. Tu porta-te sempre bem”. E eu estudava, e portava. Depois,
depois quis o destino que eu passasse a minha vida académica no Porto e aí as
coisas puderam ter um bocadinho mais de folga. Na verdade, o meu espírito livre
e aventureiro viu nesta mudança para a grande cidade a sua grande vontade de
crescer, arriscar, aprender. A oportunidade de ser mais eu, de cair e voltar a
levantar. De perceber como as pessoas eram feitas.
A minha personalidade moldou-se, foi-se moldando. Consegui manter
o espírito livre de quem corre descalça e sem medos no campo, pisando a terra e
fazendo muito pó para quem vem atrás; o respeito pelas pessoas da terra, de mãos
sujas e ásperas, com unhas da cor do chão. Consegui transportar para a cidade a
liberdade da menina da aldeia, sem medo de nada, sem bloqueios. Mas consegui
também aprender a ser mulher, a ter etiquetas, a desenrascar-me em tudo quanto
era sítio e situação. Como tinha muito tempo livre entre a última aula e a
próxima camioneta, vagueava pelo Porto, metia-me nas bibliotecas, observava as
pessoas na rua. Tinha tempo e mais que tempo para sonhar.
Sophia de Mello Breyner Andresen afirmava que a sua poesia lhe acontecia,
como a Fernando Pessoa que dizia: «Aconteceu-me um
poema». A mim, a vida foi-me acontecendo, sem que eu forçasse nada para tal
feito. Foi-me ensinando e espero que continue a ensinar. Porque na verdade continuo
a ser aquela menina da aldeia que sobrevoava as gentes do Porto e as estantes
de livros da Biblioteca Municipal.
1 comentário:
Que bonito texto! :)
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