sexta-feira, 28 de junho de 2013

E AFINAL, VOU ESCREVER SOBRE QUÊ?

Sabes que não tens qualquer jeitinho para escrever sobre política quando vês textos incrivelmente bem escritos, em blogues igualmente bons.
Sabes que não tens qualquer jeitinho para escrever sobre moda quando não vais comprar nada novo há um série de tempos e nem sabes muito bem o que se vai usar nesta estação. Nem tão pouco te pões a tirar fotos às roupas que vais experimentando nos provadores das lojas.
Sabes que não tens qualquer jeitinho para fotografia quando contemplas todos os dias verdadeiras obras de arte em modo digital, onde uma simples imagem de um café da manhã te faz apetecer querer um.
Sabes que não tens qualquer jeitinho para textos sobre culinária quando a tua incursão pelo mundo da cozinha não é nada de especial, limitando os cozinhados ao creme de legumes ou a uns doces muito de vez em quando.
Sabes que não tens qualquer jeitinho para falar sobre “vida doméstica” porque para ti a organização não precisa de ser ensinada, nem lida em livros ou blogues. És organizada e ponto.
Sabes que não tens qualquer jeitinho para escrever sobre viagens, porque quando viajas escreves dentro de ti tudo aquilo que estás a sentir e vives as cidades com um coração cheio.
Sabes que não tens qualquer jeitinho para escrever sobre dietas porque, na verdade, não fazes nenhuma.
Sabes que não tens qualquer jeitinho para escrever sobre produtos que desalmadamente compras para tudo e mais alguma coisa porque quando compras, usas e pronto.
Sabes que não tens qualquer jeitinho para escrever sobre novidades no mundo da beleza, quando as unhas de gel que colocaste te estragaram as unhas todas e o alisamento do cabelo te deixou uma alergia na cabeça.

E sim, estes são temas que os blogues sempre abordam.

Posto isto, nem sei muito bem porque tenho o blogue.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

O AMÉRICO QUE NUNCA FOI À AMÉRICA

O sino da capela era sempre tocado 1 hora antes da missa começar.
Todos os sábados, à mesma hora, ouvia-se os dobres e repiques daquele sino, tocado sempre por aquelas mãos sujas, escuras, magoadas pela terra e pelos trabalhos agrícolas.
Colocava a sua melhor roupa, achava ele, e vinha abrir a porta da capela bem cedo, porque fazia questão de chegar primeiro que qualquer um.
A sua idade, cerca de 50 e alguns anos, não retratava a pessoa que era. Era vê-lo aparecer de t-shirt da Opel (oferecida pelos tios brasileiros nas suas vindas a Portugal) e umas calças de tecido, em tempos calças de fato de alguém, subidas quase até meio do peito. Nos pés, ora eram umas sapatilhas que as sobrinhas lhe compraram na feira ora uns sapatos velhos de fato (provavelmente da mesma pessoa das calças).
As marcadas rugas no rosto, ganhas pelas imensas horas passadas ao sol a trabalhar, não combinavam com os olhos brilhantes, expressivos e dóceis que tinha.
Era o primeiro a chegar e o último a ir embora. Garantia que ninguém ficava cá fora no inicio e que ninguém ficava lá dentro no fim.
Foi-lhe dada a chave da capela e isso fazia-o sentir-se responsável.

Todas as vezes que eu chegava, era feita sempre a mesma pergunta: “O Manel?”, perguntava ele, querendo saber como estava o meu pai. Lá lhe respondia que estava a trabalhar, ao que ele sempre resmungava por entre os poucos dentes que tinha um “devia era vir à missa”!
São da mesmo idade, cresceram juntos, até ao dia em que uma meningite o incapacitou de continuar a crescer como os amigos.
Mas naquela altura os tempos eram outros (já pareço a minha avó a falar) e mesmo não havendo solução para o sucedido, o Américo resistiu e continuou a crescer, fisicamente.

Há quem diga que os sinos falam.
Os sinos da minha aldeia falam, através das mãos deste homem criança.

E eu penso muitas vezes que são estas as pessoas realmente felizes, alheios ao mundo e às suas desgraças.
Porque o Américo não vê noticias. Não lê jornais. Nem sabe o que é a Internet.
Para ele, o Brasil é onde moram os tios. E provavelmente não conhece a palavra Turquia.
O Américo nem sabe que, se mudarmos uma letra no seu nome, somos levados para a terra dos sonhos e das oportunidades.

Mas o mais importante é que ele gosta do nome que lhe chamam. Américo.

terça-feira, 18 de junho de 2013

E EU CHORAVA

Quando a minha mãe ficava sem argumentos lógicos para exprimir o que sentia, depois de mais uma das minhas teorias vindas das entranhas aventureiras que possuo, soltava um leve e desgastado “ai esta rapariga, que não sei onde vai buscar estas ideias”. E eu ficava a olhar para ela, à espera de respostas, de explicações, de assertividade.
Pois nunca consegui obter respostas.

Recolhia-me no quarto, enquanto lá fora o Verão (sim, o verão a sério, que isto agora não é verão nenhum) estalava, durava, chamava por mim.
E lá fora ouvia também os emigrantes a chegaram. Aqueles meus vizinhos que nos brindavam com foguetes, músicas aos berros nos seus Audi’s, roupa "da moda", cabelos com madeixas (na altura não sabia o que isso era) e uma língua que eu sabia que não era minha e por isso tanto me fascinava. Durante 1 mês eu ouvia e não percebia. Sabia que era francês, e por isso punha-me a sonhar com França.

A minha amiga do ano inteiro esquecia-se que era minha amiga durante esse mês. Queria antes brincar com a prima francesa, menina ousada e com roupas giras.
E eu aproveitava para, durante esse tempo, acolher ao meu mais elevado grau de imaginação.
E sonhava com França e com outros países. Sonhava com o mar, com a areia nos pés e o corpo carregado de sal e cor escura como normalmente ficava quando era criança.

Por isso interrogava a minha mãe. Perguntava-lhe o que íamos fazer no verão. Mas as suas respostas assemelhavam-se sempre a ela, humilde e simples, quando me respondia que não iríamos fazer nada. Que eu tinha era de aproveitar para estudar.

Deitava-me na cama, persianas semi-fechadas (não queria dormir, mas também não era agradável tanto sol no quarto) e chorava. Não porque me faltasse qualquer coisa, não porque a minha mãe falhasse com qualquer coisa. Mas porque teimava em sonhar mais alto do que podia.