terça-feira, 15 de dezembro de 2015

pertencer

 
 
Na verdade, não sei se pertenço ao campo ou à cidade. Se por um lado, desde muito cedo, tinha vontade de sair da aldeia e conhecer a cidade e o mundo, por outro há qualquer coisa que me liga às raízes, que não me faz esquecer o sítio de onde vim, onde fui criada, onde estão as pessoas que me criaram, onde está praticamente toda a minha família.
A divisão instala-se em mim como uma dúvida existencial. Não sei onde pertenço, onde me sinto melhor. Julgo que sou uma menina do mundo. Adapto-me tão facilmente aos sítios onde estou, onde vou, onde vivo, que me atrevo a dizer que estou bem em qualquer lugar, desde que esteja feliz.
Atrai-me a calma, quietude, simplicidade, ingenuidade dos vales e montes que me fizeram mulher. Daquele orvalho nas folhas do carvalho, da geada que nos faz escorregar na estrada, do frio que sai em forma de fumo do rio. Atrai-me a paciência, o fazer sem pressa, o dar sem pedir em troca. As ovelhas que pastam e os galos que cantam. As nuvens a tocar no alto da Santa Iria. O barulho das moto-serras, dos tractores, da carrinha que vende arcas de madeira, da buzina do padeiro, da Rosa a chamar alto e bom som o nome da filha, com aquelas goelas que abafam todas as música na capela, enquanto a pequena brinca na rua com os vizinhos: “Oh Saaaaaaara, anda para casa que se faz noite”.
Mas a cidade também me aquece o coração. A pressa, a correria, a facilidade com que se chega a tudo, o acesso a tantas e diversificadas coisas. O sair de casa e ter tudo à porta, não ter de pegar no carro, não ter de fazer compras mensais. O apetecer ir ao cinema, ao teatro, a uma exposição, a uma biblioteca, ao ginásio, e ir, sem andar muito, sem ter de sair de casa 1 hora antes. A magia da cidade, para mim, é mais do que uns simples prédios, amontoados uns nos outros. Consigo sempre parar, ao longe, e observar as passadeiras e o rebuliço vivido naquelas linhas brancas e pretas ao fim do dia. Ou de manhã. Imagino a vida de cada uma dessas pessoas. Onde vão, com quem vão.
Na verdade, não sei se pertenço ao campo ou à cidade. Mas isso não importa. Quero sobretudo viver com o coração onde quer que esteja, de peito aberto, de alma pura. Quero ser feliz em qualquer lado. E o meu maior desafio é conseguir sempre isso. Eu e os que me acompanham, nesta jornada que é a vida.