E uma grande lição para mim, que acho sempre que o tempo tem
de dar para tudo. Que fico nervosa e desiludida quando não consigo fazer tudo a
que me proponho.
"É-nos dito e repetido que o tempo bem aproveitado é
um contínuo, tendencialmente ininterrupto, que devemos esticar e levar ao
limite. A maioria de nós vive nessa linha de fronteira, em esforçada e
insatisfeita cadência, a desejar, no fundo, que a vida seja o que ela não é:
que as horas do dia sejam mais e maiores, que a noite não adormeça nunca, que
os fins-de-semana cheguem para salvar-nos a face diante de tudo o que fica
adiado. Quantas vezes damos por nós a concordar automaticamente com o lugar
comum: "Precisava que o dia tivesse quarenta e oito horas" ou "precisava
de meses de quarenta dias". Desconfio que não seja isso exatamente que
precisamos. Bastaria, aliás, reparar nos efeitos colaterais das nossas vidas
sobrecarregadas, no que fica para trás, no que deixámos por dizer ou
acompanhar. Sem darmos bem conta, à medida que os picos de atividade se
agigantam, as nossas casas vão se assemelhando a casas devolutas, esvaziadas de
verdadeira presença; a língua que falamos torna-se incompreensível como uma língua
sem falantes no mundo mais próximo; e mesmo que habitemos a mesma geografia e
as mesmas relações, parece que, de repente, isso deixou de ser para nós uma
pátria e tornou-se numa espécie de terra de ninguém.
O ponto de sabedoria é aceitar que o tempo não estica,
que ele é incrivelmente breve e, que por isso, temos de vivê-lo com o
equilíbrio possível. Não nos podemos iludir com a lógica das compensações: que
o tempo que roubamos, por exemplo, às pessoas que amamos, procuraremos
devolvê-lo de outra maneira, organizando um programa ou comprando-lhes isto ou
aquilo; ou o que retiramos ao repouso e à contemplação vamos tentar compensar
numas férias extravagantes. A gestão de tempo é uma aprendizagem que, como
indivíduos e como sociedade, precisamos de fazer.
Nisto do tempo, por vezes, é mais importante saber
acabar do que começar, e mais vital suspender do que continuar. [...] Aceitar
que não atingimos todos os objetivos que nos tínhamos proposto. Aceitar que
aquilo aonde chegamos é ainda uma versão provisória, inacabada, cheia de
imperfeições. Aceitar que nos faltam as forças, que há uma frescura de
pensamentos que não obtemos mecanicamente pela mera insistência. Aceitar
porventura que amanhã teremos de recomeçar do zero e pela enésima vez.
Creio que o momento de viragem acontece quando olhamos
de outra forma para o inacabado, não apenas como indicador ou sintoma de
carência, mas condição inexcusável do próprio ser. Ser é habitar, em criativa
continuação, o seu próprio inacabado e o do mundo. O inacabado liga-se, é
verdade, com o vocabulário da vulnerabilidade, mas também (e eu diria,
sobretudo) com a experiência de reversibilidade e reciprocidade. A vida de cada
um de nós não basta a si mesma: precisaremos sempre do olhar do outro, que é um
olhar outro, que nos mira de um outro ângulo, com uma outra perspetiva e outro
humor. A vida só por intermitências se resolve individualmente, pois o seu
sentido só se alcança na partilha e no dom."
in O Hipopótamo de Deus
- José Tolentino Mendonça -
A inspiração vem daqui, de um blog que adoro.
1 comentário:
Tenho tantas vezes a mesma aflição! Acho k o problema é ter sempre demasiadas coisas para fazer no tempo útil de um dia e depois fico frustrada porque não risquei a lista toda. Mas é como diz o seu texto a gestão do tempo aprende-se. E eu ainda estou na fase da aprendizagem..
Enviar um comentário