O sino da capela era sempre tocado 1 hora antes da missa começar.
Todos os sábados, à mesma hora, ouvia-se os dobres e repiques daquele sino, tocado sempre por aquelas mãos sujas, escuras, magoadas pela terra e pelos trabalhos agrícolas.
Colocava a sua melhor roupa, achava ele, e vinha abrir a porta da capela bem cedo, porque fazia questão de chegar primeiro que qualquer um.
A sua idade, cerca de 50 e alguns anos, não retratava a pessoa que era. Era vê-lo aparecer de t-shirt da Opel (oferecida pelos tios brasileiros nas suas vindas a Portugal) e umas calças de tecido, em tempos calças de fato de alguém, subidas quase até meio do peito. Nos pés, ora eram umas sapatilhas que as sobrinhas lhe compraram na feira ora uns sapatos velhos de fato (provavelmente da mesma pessoa das calças).
As marcadas rugas no rosto, ganhas pelas imensas horas passadas ao sol a trabalhar, não combinavam com os olhos brilhantes, expressivos e dóceis que tinha.
Era o primeiro a chegar e o último a ir embora. Garantia que ninguém ficava cá fora no inicio e que ninguém ficava lá dentro no fim.
Foi-lhe dada a chave da capela e isso fazia-o sentir-se responsável.
Todas as vezes que eu chegava, era feita sempre a mesma pergunta: “O Manel?”, perguntava ele, querendo saber como estava o meu pai. Lá lhe respondia que estava a trabalhar, ao que ele sempre resmungava por entre os poucos dentes que tinha um “devia era vir à missa”!
São da mesmo idade, cresceram juntos, até ao dia em que uma meningite o incapacitou de continuar a crescer como os amigos.
Mas naquela altura os tempos eram outros (já pareço a minha avó a falar) e mesmo não havendo solução para o sucedido, o Américo resistiu e continuou a crescer, fisicamente.
Há quem diga que os sinos falam.
Os sinos da minha aldeia falam, através das mãos deste homem criança.
E eu penso muitas vezes que são estas as pessoas realmente felizes, alheios ao mundo e às suas desgraças.
Porque o Américo não vê noticias. Não lê jornais. Nem sabe o que é a Internet.
Para ele, o Brasil é onde moram os tios. E provavelmente não conhece a palavra Turquia.
O Américo nem sabe que, se mudarmos uma letra no seu nome, somos levados para a terra dos sonhos e das oportunidades.
Mas o mais importante é que ele gosta do nome que lhe chamam. Américo.
1 comentário:
e de certeza que é FELIZ assim....
Sónia
Taras e Manias
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