O quarto era pequeno e limpo. Tinha uma cama antiga, com
desenhos de flores na cabeceira e uma mesinha com 3 gavetas. Tinha uma cómoda
de madeira escura e em cima dela uma caixa de papel verde com alguma
maquilhagem. A tapar a cómoda, como era costume, um pano de renda. Tinha um
espelho na parede onde passei horas a ver-me crescer. Apenas um tapete, em tons
de vermelho e preto, tapava as tábuas largas e gastas. E não tinha espaço para
mais nada.
Era o quarto das minhas tias, na casa dos meus avós. Foi o
quarto onde quase cresci porque lá passei muitas noites. E foi o quarto onde
dormimos todas, as tias e a única sobrinha. A primeira sobrinha. A primeira
neta.
Ao longo dos anos vi a transformação que se deu em nós. Eu a
ficar uma mulherzinha e elas a ficarem mulheres a sério, a namorarem e casarem.
Lembro-me de ser pequenina e observar muito atenta a forma como se arranjavam.
E quando elas saíam, eu ficava com o quarto só para mim. O espelho, o famoso
espelho, era o público que sempre sonhei ter. Vestia as roupas delas. Usava os
cremes e perfumava-me. Depois o espectáculo, o meu espectáculo acabava. Voltava
a vestir o meu pijama pequenino e adormecia na cama delas. No dia seguinte acordávamos
sempre com o meu avó na porta, bem cedo, com aquela voz que respeitávamos
muito, que o senhor lá admitia dorminhocas em casa.
Depois fizeram obras na casa e eu perdi para sempre aquele
quartinho. Ficou gravado na minha memória e, talvez porque nunca me quero
esquecer dele, decidi hoje escrever sobre isso.
2 comentários:
Esse quarto faz-me lembrar outro onde fui crescendo nas férias. Se não falasses no teu não me lembrava do meu. Obrigada!
Que texto tão lindo.
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