Tomada a decisão de construir uma casa, demos início à
exigente tarefa de escolher um arquitecto que a desenhasse. Uns meses mais
tarde percebemos que deveríamos ter começado o processo por outro lado, mas
essa história fica para depois. Ludwig Wittgenstein, filósofo habituado aos
mais complicados conceitos físicos e metafísicos, ocupou uns anos da sua vida a
construir uma casa em Viena. No final afirmou sem reticências: “consideram que
a Filosofia é difícil mas digo-vos que ela não é nada quando comparada com a
dificuldade de ser um bom arquitecto”. Não querendo ir tão longe (experimentem
ler um texto de Wittgenstein para ver o que é bom para a tosse), concordo que a
tarefa é espinhosa. Lembremo-nos que a função de um (bom) arquitecto não é
apenas tratar da arquitectura mas coordenar todos os projectos necessários, a
maioria dos quais da responsabilidade de outros expertos (engenheiros,
normalmente; todos expertos mas nem todos espertos). Não adianta desenhar uma
casa muito bonita para depois descobrir que, com aquela disposição das
assoalhadas, os canos do cocó, do xixi e do vomitado do filho adolescente
teriam de atravessar a mesa de jantar. Ou que a chaminé da lareira teria de
ficar encostada aos pés da cama do mais novo. Assim de memória, consigo
lembrar-me de uma boa dúzia de projectos (ditos de especialidade) que passeiam
comigo diariamente entre a casa onde vivemos, o escritório onde trabalho e a
casa que estamos a construir: o projecto de estabilidade, o projecto de águas
pluviais, o eléctrico, o térmico, o de saneamento, o projecto de ventilação, o
projecto da rede de gás, e não continuo para não vos maçar. Até o “barraco”
onde vão estar os recipientes para separação do lixo precisa de um projecto
autónomo. E no âmbito da arquitectura propriamente dita, para além daqueles
desenhos que todos conhecem (plantas, alçados, cortes), há dezenas de folhas
com pormenores de portas, grades, chaminés, tectos, rodapés, espelhos,
armários, portões, casas de banho, etc., etc., infinitos etc. Só faltou que me medissem o rabo para definir o
formato das sanitas. Coordenar e conjugar tudo isto é do caraças, e “caraças”
não é exactamente a palavra que me apetecia utilizar.
O nosso método de “recrutamento e selecção” de um arquitecto
foi, inicialmente, de uma racionalidade quase científica. Era necessário
encontrar um profissional que confiasse nas suas capacidades mas que estivesse
disponível para ouvir as nossas ideias; imaginativo mas que não comprometesse o
indispensável pragmatismo; que tivesse dotes de artista mas sem os caprichos
dos artistas; que fosse requintado na escolha dos materiais mas que tivesse a
capacidade de encaixar um “não” caso os requintes se mostrassem demasiado
dispendiosos. Em resumo, que fosse muito bom mas não tão bom que nos levasse à
falência. Eram estes os critérios teóricos que tínhamos à partida; na prática,
a escolha do arquitecto foi feita de acordo com o mesmo método que utilizamos
em muitas outras decisões das nossas vidas não relacionadas com a construção
civil, da compra de um cavaquinho novo à contratação de uma mulher-a-dias:
falar com amigos e conhecidos para sacar referências,
e siga.
O terreno que já tinha feito parte de um campo de cultivo
comprado por uns contos de réis ganhos na Venezuela pelo avô apresentava
algumas condicionantes a ter em conta. Oferecia-nos desafios interessantes,
como gostam de dizer aquelas pessoas dinâmicas, optimistas e com atitude
vencedora, entre as quais, infelizmente, não me incluo. Para mim aquilo eram
mesmo berbicachos. Em primeiro lugar era relativamente pequeno, cerca de 340 m2
de área total. Tinha também uma área de implantação
autorizada que era, à falta de uma palavra mais simpática, ridícula. Por
último, sendo destinado a uma casa com 3 pisos, em utilizando a distribuição
usual (garagem na cave, zona social no rés-do-chão, quartos no 1º andar),
obrigava a uma rampa de acesso automóvel muito acentuada. Refiro-me a um
daqueles declives em que quando vamos a sair só vemos a frente do carro e o
céu. Sim, uma daquelas subidas que as senhoras fazem em alta velocidade para
não correrem o risco do automóvel parar a meio e terem de aplicar o temido
ponto de embraiagem, ponto que demoram quase tanto tempo a descobrir como o que
os homens precisam para encontrar o ponto G (brincadeira, brincadeira… a
Andorinha é uma excelente condutora). Mas adiante. O primeiro berbicacho não
tinha solução, o terreno não esticava; o segundo foi resolvido a troco do
pagamento de umas centenas de euros em
taxas, promovendo uma alteração do
loteamento junto da respeitosa Câmara Municipal; a maneira como se resolveu o
problema dos declives fica para um outro capítulo. Até à próxima, se Eu quiser.
Andorinho
Sem comentários:
Enviar um comentário