quarta-feira, 10 de julho de 2013

NO TEMPO DAS VACAS GORDAS, A MINHA MÃE CRIAVA OVELHAS

E eu devia ter uns 10 ou 11 anos. Às vezes era à tardinha, quando chegava da escola ou quando não tinha aulas à tarde. Mas a maior parte das vezes era ao sábado à tarde.
Ia pastar as ovelhas.
Mesmo que na altura ainda não tivesse ouvido falar do “Flautista de Hamelin”, eu imaginava, numa versão pastor e esquecendo os ratos, que as ovelhas percebiam a melodia da flauta que eu carregava e me seguiam.
E caso não saibam, apenas uma ovelha tem a corda amarrada para ser puxada. E nunca é um carneiro a ter a corda. Todas e todos seguem a ovelha da frente independentemente do sitio para onde vá.
No inicio era a minha mãe que coloca a corda. Depois eu aprendi e já fazia isso sozinha.
Levava-as para o campo, verdejante. Sabia exactamente qual era o melhor sítio para elas estarem.
E ficava ali deitada, ora a olhar o céu e imaginar imagens nas nuvens, ora a tocar o “hino da alegria” na flauta.
Na verdade, estes momentos eram mesmo uma “Ode an die Freude”, pela sua pureza, simplicidade, ausência de qualquer stress ou pressa.
Porque, apesar de achar agora que a minha vida não se coaduna com o campo, a verdade é que me transmitiu o lado bom, calmo, simples da vida.
Penso muitas vezes nestes e noutros momentos que lá vivi. E consigo ainda sentir cheiros, sensações, sons, consigo lembrar-me de todas as pessoas que lá habitam e no seu dia-a-dia.
Consigo lembrar-me da buzina do padeiro. Do som da velha Toyota que vendia mercearia. Do autofalante em dias de festa. Dos grilos nas noites de verão. Da resina dos pinheiros. Do cheiro das pinhas quando apanhava pinhões com o meu irmão. Da música que a carrinha do senhor que vendia arcas tocava, e era sempre tão pimba. Do sabor do ovo estrelado que a minha mãe nos fazia. Do cheiro a lenha queimada nas noites de inverno. Da temperatura da água da mangueira que era a nossa piscina de verão. Da voz da minha mãe quando me chamava para casa à noite, entre brincadeira como a escondidinha ou a macaca. Do cheiro dos lápis de cera que uma tia afastada que vivia em Matosinhos nos trazia, sempre que nos vinha visitar.
Tudo enquadrado. Tudo com o seu tempo para acontecer.
E gostava de acreditar que as crianças que agora lá vivem ainda têm estes momentos. Elas não sabem ainda, mas um dia vão perceber como é bom ser-se criança na rua.

Nesta altura chegamos também a cozer sapatos. Eu era pequena e não considero isso exploração infantil. Mas essa história fica para uma próxima...

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