quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Das pessoas que escrevem o que pensamos

Que a Sofia escreve bem e toca-nos sempre, isso já todos sabemos. Que já leio a Sofia há muitos, muitos anos, todos os dias, e sinto-a como uma amiga (mesmo não a conhecendo), isso também sabia. Que a Sofia pensa exactamente da mesma forma que eu em muitos, muitos assuntos, isso também eu sabia. E a prova disso é este texto absolutamente maravilhoso que me identifico totalmente. Seria impossível escrever melhor. É que é mesmo isto que penso. Ide ler que vale a pena!

Às vezes a felicidade parece uma coisa quase ilegal. Uma coisa que quase devemos ter vergonha de sentir e ainda mais de afirmar. Às vezes parece que falamos de uma doença contagiosa, que ninguém quer apanhar. Acho que é isso que sentimos, uma espécie de contradição. Queremos sentir a felicidade, queremos tê-la por perto, queremos vivê-la até ao infinito, queremos partilhá-la, mas não a queremos afirmar. Temos medo de a afirmar. De a dizer, de a conjugar, de a ler, de a ouvir, de a dar, e de a receber. Temos medo de que se o fizermos, se dissermos com todas as letras que somos felizes, os outros (os que não estão no mesmo registo de felicidade) vão achar estranho, vão achar que se passa alguma coisa de errado connosco.
Não sei bem qual é o conceito de felicidade dos outros. Conheço algumas teorias e todas têm como premissa a conjugação do verbo ter. Questiono mas não julgo, ainda menos partilho. Talvez apenas perceba melhor a dificuldade e a estranheza com que me olham tantas e tantas vezes, perante tudo o que não tenho e consigo assumir-me feliz.
Porque, para mim, a felicidade pode ser uma coisa tão simples como acordar ao lado da pessoa que amo, como sentir o bater do coração do meu filho quando o abraço, é saber-me amada e querida pela minha família, é receber amigos em casa e rir como só tivéssemos razões para rir, é passear de mão dada nas ruas do bairro onde me sinto em casa, é receber flores porque sim, é conversar com uma amiga e perder a noção do tempo, é poder escolher ser livre e fazer o que quiser com o meu tempo, é sentir nos pés a areia fria da praia no Inverno e na pele o calor único do sol do Outono, é adorar todos os anos e com a mesma intensidade e o mesmo espanto, o aroma reconfortante de castanhas assadas nas ruas, é descobrir um sorriso delicioso de quatro anos quando descasco uma romã, é gostar do cheiro das primeiras chuvas na terra seca, é olhar para os outros e reparar. É olhar para a vida com olhos de ver e gostar dela, apesar das imperfeições, das contas para pagar no fim do mês, do orçamento que é tantas vezes tão apertado, das saudades de quem está longe e me faz tanta falta, das pessoas que nos desiludem e das pessoas a quem desiludimos, da chuva, do trânsito, das razões que não têm fim se preferirmos olhar para o lado B da vida.
Quero acreditar que ter tudo ou não ter nada depende sempre da perspectiva de quem vê o copo meio cheio ou meio vazio. Quero acreditar que esta prática da felicidade nas coisas pequenas gera mais dias bons, atrai mais pessoas no mesmo comprimento de onda e, consequentemente, afasta quem não sente e quem não é neste mesmo ritmo, neste mesmo compasso.
No fundo acho que é isto, há quem fique entre o certo e o errado da vida. E há quem prefira ficar entre o que faz bem e o que faz feliz.

 

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