Este poema é dedicado a todos os homens em geral, e ao meu marido em particular. A gripe já quase que passou, mas ainda não o deixou de vez. Esta noite tivemos suores, muitos suores, pijama ensopado, novo pijama lavadinho. Já dizia a minha avó (e todas as avós, julgo eu): "Avinha-te, abifa-te e abafa-te".
Pachos na testa
terço na mão
uma botija
chá de limão
zaragatoas
vinho com mel
três aspirinas
creme na pele
grito de medo
chamo a mulher -
ai Lurdes Lurdes
que vou morrer
mede-me a febre
olha-me a goela
cala os miúdos
fecha a janela
não quero canja
nem a salada
ai Lurdes Lurdes
não vales nada
se tu sonhasses
como me sinto
já vejo a morte
nunca te minto
já vejo o inferno
chamas diabos
anjos estranhos
cornos e rabos
vejo os demónios
nas suas danças
tigres sem listras
bodes de tranças
choros de coruja
risos de grilo
ai Lurdes Lurdes
que foi aquilo
não é a chuva
no meu-postigo
ai Lurdes Lurdes
fica comigo
não é o-vento
a cirandar
nem são as vozes
que vêm do mar
não é o pingo
de uma torneira
põe-me a santinha
à cabeceira
compõe-me a colcha
fala ao prior
pousa o Jesus
no cobertor
chama o doutor
passa a chamada
ai Lurdes Lurdes
nem dás por nada
faz-me tisanas
e pão de ló
não te levantes
que fico só
aqui sozinho
a apodrecer
ai Lurdes Lurdes
que vou morrer.
in Letrinhas de Cantigas, António Lobo Antunes
2 comentários:
:):)
o que me ri com este post, é que é tal e qual
Sónia
Taras e Manias
É que é mesmo!...*
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